Vicente Barone é analista político, editor chefe do Grupo @HORA de Comunicação
No Brasil, a responsabilidade pelo imposto regulatório recai sobre o Poder Executivo, que detém a prerrogativa de alterar as alíquotas desses tributos dentro de margens e condições estabelecidas em lei. Isso ocorre porque o objetivo principal dos impostos regulatórios não é a arrecadação, mas sim a regulação de atividades econômicas e a influência no comportamento do mercado.
Os principais impostos com função regulatória são federais e estão previstos no artigo 153 da Constituição Federal:
Imposto de Importação (II): Para regular o comércio exterior e a balança comercial.
Imposto de Exportação (IE): Para regular o comércio exterior.
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI): Para estimular ou desestimular a produção de certos bens.
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF): Para regular o mercado financeiro, de crédito, câmbio e seguros.
A agilidade na alteração das alíquotas é crucial para que o Poder Executivo possa intervir rapidamente na economia, combatendo distorções de mercado ou estimulando setores específicos. Por essa razão, esses impostos têm um tratamento diferenciado em relação aos princípios tributários, como a anterioridade (que exige que o tributo só seja cobrado no ano seguinte à sua instituição ou aumento).
É importante notar que, embora o Executivo tenha essa flexibilidade, as alterações devem sempre estar em conformidade com os objetivos regulatórios do tributo, e não serem utilizadas apenas para fins arrecadatórios.
A Reforma Tributária, que está em processo de regulamentação, traz também novas regras de responsabilidade, incluindo a responsabilidade solidária em diversas situações, como para plataformas digitais em operações que elas intermediam, visando garantir o recolhimento dos tributos e o acesso do fisco às informações necessárias.
Como funciona essa prerrogativa do Congresso?
A Constituição Federal, em seu Artigo 49, inciso V, confere ao Congresso Nacional a competência exclusiva para "sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa". Isso significa que, se o Congresso entender que um decreto presidencial (como um que altera o IOF) extrapolou o que a lei permite ou invadiu uma área que seria de competência do Legislativo, ele pode suspender os efeitos desse decreto.
Essa sustação é feita por meio de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL). Um PDL não precisa da sanção presidencial e, uma vez aprovado pelas duas Casas do Congresso (Câmara dos Deputados e Senado Federal), é promulgado pelo próprio Congresso e entra em vigor.
Os parlamentares argumentaram que o aumento do IOF, mesmo que previsto na Constituição como um imposto que pode ter alíquotas alteradas por decreto, estava impactando negativamente a economia e a vida dos cidadãos. Essa foi a primeira vez em 33 anos que um decreto presidencial foi derrubado pelo Congresso.
Implicações da derrubada
A derrubada de um decreto que aumenta o IOF tem impactos diretos na arrecadação do governo, podendo levar a um contingenciamento (bloqueio) de despesas para compensar a perda de receita. No caso recente, o governo alertou para um possível contingenciamento de bilhões de reais, o que afetaria programas sociais e outras áreas.
Essa situação demonstra o equilíbrio de poderes no sistema democrático brasileiro, onde o Legislativo atua como um freio e contrapeso às ações do Executivo, especialmente quando há divergências sobre a política econômica e fiscal.
Ficou claro como o Congresso pode intervir em decretos como o do IOF?
O Supremo Tribunal Federal STF pode intervir?
O papel do STF é ser o guardião da Constituição Federal. Quando o Congresso Nacional derruba um decreto presidencial, como aconteceu com os aumentos do IOF, ele o faz com base na prerrogativa de que o Executivo "exorbitou do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa" (Art. 49, V da CF). No entanto, o governo federal também pode, e já indicou que fará, questionar essa decisão do Congresso no STF.
Veja as principais formas como o STF pode ser acionado e intervir:
Ações de Inconstitucionalidade (ADIs): Partidos políticos (como o PL, que já ajuizou uma ADI contra os decretos do IOF), entidades de classe e o próprio governo podem entrar com Ações Diretas de Inconstitucionalidade no STF. Nesse caso, a argumentação central é que os decretos (ou, em um cenário inverso, a derrubada do Congresso) violam algum princípio ou dispositivo constitucional. Por exemplo, o PL argumenta que o governo transformou o IOF em um "mecanismo arrecadatório" sem respaldo legal.
Conflito de Poderes: Se o Executivo entender que o Congresso Nacional invadiu sua esfera de competência ao derrubar os decretos, ou vice-versa, pode haver um conflito de poderes que caberia ao STF dirimir.
Mandado de Segurança/Outros Remédios Constitucionais: Embora menos comum para uma questão de política fiscal tão ampla, indivíduos ou empresas que se sintam lesados pelos aumentos do IOF podem buscar a Justiça via mandados de segurança, chegando eventualmente ao STF.
O Cenário Atual e a Posição do Governo
Com o Congresso Nacional tendo derrubado os decretos que aumentavam o IOF, o governo Lula está avaliando judicializar a questão no STF. O objetivo seria reverter a derrota sofrida no Legislativo e garantir a arrecadação que havia sido planejada com os aumentos.
A ministra Gleisi Hoffmann (Presidente do PT) já afirmou que não há base jurídica para o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que derrubou o aumento, indicando que o governo pode argumentar inconstitucionalidade na decisão do Congresso.
“A derrubada do decreto reduzirá a receita de 2025 em R$ 10 bilhões, colocando em risco o cumprimento da meta de resultado primário em 2025. Para 2026, derrubada do decreto pode dificultar a meta de resultado primário em R$ 30 bilhões”, escreveu Gleisi, em uma rede social.
Impacto e Precedentes
A possível judicialização no STF adiciona uma camada de incerteza e tensão à questão do IOF. Se o STF acatar os argumentos do governo e restabelecer os aumentos, isso pode abrir um conflito significativo entre o Judiciário e o Legislativo, algo que o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e outros ministros já se manifestaram cautelosos em evitar, especialmente em temas de política econômica e tributária que, idealmente, deveriam ser resolvidos no campo político.
A jurisprudência do STF sobre a alteração do IOF por decreto já teve discussões, mas o cerne da questão agora pode ser o limite da prerrogativa do Congresso em sustar atos do Executivo quando o tributo permite a alteração de alíquotas por decreto.
Em resumo, sim, o STF já está no "JOGO" e pode ser o árbitro final nesse embate entre Executivo e Legislativo em torno do IOF. A decisão da Suprema Corte terá um peso enorme para a política fiscal do país e para o relacionamento entre os poderes.
* Vicente Barone é analista político, editor chefe do Grupo @HORA de Comunicação, esteve à frente de diversas campanhas eleitorais como consultor político e de marketing, foi executivo de marketing em empresas nacionais e multinacionais, palestrante nacional e internacional para temas de marketing social, cultural, esportivo e de trasnporte coletivo, além de ministrar aulas como professor na área para 3º e 4º graus - www.barone.adm.br
No Brasil, a responsabilidade pelo imposto regulatório recai sobre o Poder Executivo, que detém a prerrogativa de alterar as alíquotas desses tributos dentro de margens e condições estabelecidas em lei. Isso ocorre porque o objetivo principal dos impostos regulatórios não é a arrecadação, mas sim a regulação de atividades econômicas e a influência no comportamento do mercado.
Os principais impostos com função regulatória são federais e estão previstos no artigo 153 da Constituição Federal:
Imposto de Importação (II): Para regular o comércio exterior e a balança comercial.
Imposto de Exportação (IE): Para regular o comércio exterior.
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI): Para estimular ou desestimular a produção de certos bens.
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF): Para regular o mercado financeiro, de crédito, câmbio e seguros.
A agilidade na alteração das alíquotas é crucial para que o Poder Executivo possa intervir rapidamente na economia, combatendo distorções de mercado ou estimulando setores específicos. Por essa razão, esses impostos têm um tratamento diferenciado em relação aos princípios tributários, como a anterioridade (que exige que o tributo só seja cobrado no ano seguinte à sua instituição ou aumento).
É importante notar que, embora o Executivo tenha essa flexibilidade, as alterações devem sempre estar em conformidade com os objetivos regulatórios do tributo, e não serem utilizadas apenas para fins arrecadatórios.
A Reforma Tributária, que está em processo de regulamentação, traz também novas regras de responsabilidade, incluindo a responsabilidade solidária em diversas situações, como para plataformas digitais em operações que elas intermediam, visando garantir o recolhimento dos tributos e o acesso do fisco às informações necessárias.
Como funciona essa prerrogativa do Congresso?
A Constituição Federal, em seu Artigo 49, inciso V, confere ao Congresso Nacional a competência exclusiva para "sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa". Isso significa que, se o Congresso entender que um decreto presidencial (como um que altera o IOF) extrapolou o que a lei permite ou invadiu uma área que seria de competência do Legislativo, ele pode suspender os efeitos desse decreto.
Essa sustação é feita por meio de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL). Um PDL não precisa da sanção presidencial e, uma vez aprovado pelas duas Casas do Congresso (Câmara dos Deputados e Senado Federal), é promulgado pelo próprio Congresso e entra em vigor.
Os parlamentares argumentaram que o aumento do IOF, mesmo que previsto na Constituição como um imposto que pode ter alíquotas alteradas por decreto, estava impactando negativamente a economia e a vida dos cidadãos. Essa foi a primeira vez em 33 anos que um decreto presidencial foi derrubado pelo Congresso.
Implicações da derrubada
A derrubada de um decreto que aumenta o IOF tem impactos diretos na arrecadação do governo, podendo levar a um contingenciamento (bloqueio) de despesas para compensar a perda de receita. No caso recente, o governo alertou para um possível contingenciamento de bilhões de reais, o que afetaria programas sociais e outras áreas.
Essa situação demonstra o equilíbrio de poderes no sistema democrático brasileiro, onde o Legislativo atua como um freio e contrapeso às ações do Executivo, especialmente quando há divergências sobre a política econômica e fiscal.
Ficou claro como o Congresso pode intervir em decretos como o do IOF?
O Supremo Tribunal Federal STF pode intervir?
O papel do STF é ser o guardião da Constituição Federal. Quando o Congresso Nacional derruba um decreto presidencial, como aconteceu com os aumentos do IOF, ele o faz com base na prerrogativa de que o Executivo "exorbitou do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa" (Art. 49, V da CF). No entanto, o governo federal também pode, e já indicou que fará, questionar essa decisão do Congresso no STF.
Veja as principais formas como o STF pode ser acionado e intervir:
Ações de Inconstitucionalidade (ADIs): Partidos políticos (como o PL, que já ajuizou uma ADI contra os decretos do IOF), entidades de classe e o próprio governo podem entrar com Ações Diretas de Inconstitucionalidade no STF. Nesse caso, a argumentação central é que os decretos (ou, em um cenário inverso, a derrubada do Congresso) violam algum princípio ou dispositivo constitucional. Por exemplo, o PL argumenta que o governo transformou o IOF em um "mecanismo arrecadatório" sem respaldo legal.
Conflito de Poderes: Se o Executivo entender que o Congresso Nacional invadiu sua esfera de competência ao derrubar os decretos, ou vice-versa, pode haver um conflito de poderes que caberia ao STF dirimir.
Mandado de Segurança/Outros Remédios Constitucionais: Embora menos comum para uma questão de política fiscal tão ampla, indivíduos ou empresas que se sintam lesados pelos aumentos do IOF podem buscar a Justiça via mandados de segurança, chegando eventualmente ao STF.
O Cenário Atual e a Posição do Governo
Com o Congresso Nacional tendo derrubado os decretos que aumentavam o IOF, o governo Lula está avaliando judicializar a questão no STF. O objetivo seria reverter a derrota sofrida no Legislativo e garantir a arrecadação que havia sido planejada com os aumentos.
A ministra Gleisi Hoffmann (Presidente do PT) já afirmou que não há base jurídica para o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que derrubou o aumento, indicando que o governo pode argumentar inconstitucionalidade na decisão do Congresso.
“A derrubada do decreto reduzirá a receita de 2025 em R$ 10 bilhões, colocando em risco o cumprimento da meta de resultado primário em 2025. Para 2026, derrubada do decreto pode dificultar a meta de resultado primário em R$ 30 bilhões”, escreveu Gleisi, em uma rede social.
Impacto e Precedentes
A possível judicialização no STF adiciona uma camada de incerteza e tensão à questão do IOF. Se o STF acatar os argumentos do governo e restabelecer os aumentos, isso pode abrir um conflito significativo entre o Judiciário e o Legislativo, algo que o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e outros ministros já se manifestaram cautelosos em evitar, especialmente em temas de política econômica e tributária que, idealmente, deveriam ser resolvidos no campo político.
A jurisprudência do STF sobre a alteração do IOF por decreto já teve discussões, mas o cerne da questão agora pode ser o limite da prerrogativa do Congresso em sustar atos do Executivo quando o tributo permite a alteração de alíquotas por decreto.
Em resumo, sim, o STF já está no "JOGO" e pode ser o árbitro final nesse embate entre Executivo e Legislativo em torno do IOF. A decisão da Suprema Corte terá um peso enorme para a política fiscal do país e para o relacionamento entre os poderes.
* Vicente Barone é analista político, editor chefe do Grupo @HORA de Comunicação, esteve à frente de diversas campanhas eleitorais como consultor político e de marketing, foi executivo de marketing em empresas nacionais e multinacionais, palestrante nacional e internacional para temas de marketing social, cultural, esportivo e de trasnporte coletivo, além de ministrar aulas como professor na área para 3º e 4º graus - www.barone.adm.br